Tiro de laço: cultura, esporte ou lazer?


Recentemente foi reaberto, agora em nível nacional, o debate a respeito dos rodeios e da utilização de animais para a realização de atividades tradicionais do gaúcho: cavalo e boi.


Essa é uma questão que se presta a várias posições. Os “protetores dos animais” dizem que não pode. Os tradicionalistas afirmam que pode e deve. O ministério público diz que pode com restrições. A legislação atual permite e define regras. As associações de raças de cavalos se preocupam com a possibilidade de restrições. Os conselhos regionais de medicina veterinária acompanham o assunto, preocupados com o mercado de trabalho dos seus associados. A mídia tenta entender o que está ocorrendo e dá vazão a inúmeras opiniões, “achismos”, interpretações legais,  defesa de interesses individuais e institucionais.

A análise de toda a questão deve ser feita a partir de premissas e constatações do que está ocorrendo na sociedade brasileira neste momento. Tomemos o “tiro de laço” como foco de análise e veremos que: trata-se de uma atividade tradicional do gaúcho e elemento fundamental na lida de campo onde nasceu a sociedade gauchesca; é uma atividade que submete o cavalo e o boi a uma atividade física que pode, ou não, ser danosa aos animais; se constitui numa atividade de cunho esportivo que motiva a existência de milhares de cavalos no campo e nas hospedarias no entorno das cidades; garante a realização de 400 rodeios por ano no Rio Grande do Sul e outros tantos fora do estado, movimentando valores que alcançam alguns milhões de reais, movimentando uma cadeia produtiva importante e que garante milhares de empregos (domadores, tratadores, veterinários, alambradores, narradores, juízes, fornecedores de itens de infraestrutura ,  premiações, etc.).
Por outro lado verificamos que a sociedade, especialmente nas cidades, está cada vez mais “apegada” aos animais. Há todo um movimento de “garantia dos direitos animais”, que não existia a meia dúzia de anos. Aparentemente a sociedade atual é mais cuidadosa quando se trata de preservação da vida e da sanidade física dos animais. Hoje se fala em “stress” dos animais com a mesma naturalidade que nos referimos a essa doença que atinge o ser humano.

No meio tradicionalista, já não se admite a doma com uso de violência. Não se admite o uso de choque elétrico para fazer os animais andarem. O laçador que bater na rês ou no cavalo é sumariamente desclassificado da prova que está realizando. Já há controle de número de corridas que um boi realiza durante um rodeio. Ninguém se encoraja a comparecer a um rodeio se o seu cavalo não estiver em ótimas condições. E assim por diante. Podemos, então, dizer que os tradicionalistas são os primeiros e maiores interessados na defesa do uso de métodos não agressivos com os animais. Isso bastará para que o rodeio e o tiro de laço se mantenham? Eu acredito que isso não basta.

Parece-me que o grande e principal argumento para a continuidade do tiro de laço com utilização de gado está na justificativa histórica, tradicional, cultural. Não se acaba com uma cultura de uma sociedade sem fortes e graves justificativas. Não se suprime uma atividade tradicional arraigada, aceita e admirada por grande parte da sociedade, sem que sejam apontados itens que lhe tirem a característica principal: a tradição.

Portanto, a grande questão está em definirmos com clareza se o tiro de laço, nos rodeios, é cultura, ou é esporte, ou é puro lazer. Para diferenciar essas atividades, devemos analisar as características que as cercam, as motivações dos participantes e o senso comum da sociedade. Se assim é, precisamos responder as seguintes perguntas: 1) O tiro de laço guarda as mesmas características daquela atividade realizada tradicionalmente no campo? Os laçadores participam das provas com o objetivo do culto às tradições ou por causa do premio que está sendo oferecido? Os participantes aceitam naturalmente as recomendações emanadas das pesquisas históricas relativas à indumentária, encilha dos animais e maneira de preparar e executar a laçada?  A sociedade vê o tiro de laço como uma manifestação cultural, como um jogo, ou como um simples lazer de pessoas que, no dia-a-dia nada tem com a lide campeira?

Conforme forem as respostas que encontrarmos para essas perguntas, poderemos reforçar nossos argumentos para que o tiro de laço continue sendo realizado com gado. Se a constatação for a de que se trata exclusivamente de um esporte ou de um lazer (como jogar futebol ou jogar cartas) e que a motivação está no premio oferecido, então devemos considerar a possibilidade de usarmos nossos cavalos exclusivamente para a realização de cavalgadas, deixando o laço para a brincadeira folclórica da vaca-parada.

Manoelito Carlos Savaris
Presidente da CBTG

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